O Supremo
Tribunal Federal (STF) deve retomar em breve o julgamento da polêmica
ação de inconstitucionalidade que questiona a prática do ensino
religioso nas escolas públicas brasileiras, segundo estima a advogada
Priscilla Soares de Oliveira do escritório Rubens Naves - Santos Jr. -
Hesketh.
Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade
4.439, proposta pela procuradora-geral da República, Deborah Duprat, em
meados de 2010, motivada pelo acordo entre o Brasil e Vaticano, chamado
Santa Sé. O acordo é relativo ao estatuto jurídico da igreja católica no
País, promulgado em 2009, conforme esclarecem assessores do Ministério
Público. Para especialistas, essa iniciativa fere a laicidade do Estado e
compromete o sentido da educação pública.
Levantamento preliminar da Secretaria de Educação de Roraima revela
que em muitos estados as aulas de religião nas escolas públicas são
ministradas por representantes de igrejas que defendem apenas uma
religião ao invés de adotarem essa disciplina no currículo escolar como
uma área do conhecimento. Tais práticas ferem tanto a Constituição
Federal, que determina matrícula facultativa para essa disciplina,
quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que prevê caráter
laico do Estado nas instituições de ensino.
Existe um consenso entre acadêmicos e entidades representativas da
sociedade civil, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), de que se o ensino religioso tiver que ser praticado nas
escolas, que o seja segundo normativos que assegurem os direitos
garantidos pela laicidade do Estado, o que inclui a não obrigatoriedade
de presença às aulas e que o conteúdo não seja um estudo bíblico sobre
religião A ou B ou C .
Priscilla Oliveira acredita que o Supremo deve acelerar o processo de
análise da Ação Direta Inconstitucionalidade em razão da decisão do
relator, Ayres Britto, ministro do STF, de adotar "procedimento
abreviado" (agilidade na tramitação) para a ADI 4.439, "dada à
relevância da matéria". A advogada ressalva, entretanto, que o processo
não será mais veloz em decorrência do acentuado ingresso de amicus cure
(cartas de instituições da sociedade civil que servem par dar
informações e emitir opiniões para ajudar a análise do processo) ao
Supremo sobre esse assunto.
"Quando envolve muito ingresso de amicus cure o julgamento
tende a de ser polêmico (e um pouco mais demorado), pois [o relator] tem
de ler todas [as informações] antes de formar o conhecimento dele",
analisa a advogada, ao lembrar que o STF volta de recesso apenas em
meados de fevereiro e a análise da matéria pode levar até o fim deste
ano para ser julgada na casa.
Outro lado - Em documento enviado ao STF, em março
do ano passado, a Associação Nacional de Educação Católica do Brasil
(ANEC) destacou que, além de defender a educação católica do Brasil,
"proclama a liberdade de ensino consagrada na Declaração dos Direitos
Humanos, na Constituição da República Federativa e nos ensinamentos do
magistério eclesial; e defende a liberdade de escolha das famílias ao
tipo de educação que desejam para os filhos, segundo seus princípios
morais e pedagógicos".
Levantamento - Responsável pelo estudo, Lenir
Rodrigues, secretária de Educação de Roraima, disse que, pelas
informações colhidas até agora, de quase dez estados - dentre os quais
Pará, Rio Grande do Sul, Amazonas e Paraná - percebe-se que poucos têm
uma coordenação de ensino religioso.
"Quando o Estado tem uma coordenação de ensino religioso, em geral, a
disciplina se volta só para a ciência da religião. Mas quando não há
uma coordenação, cada gestor coloca pessoas para lecionarem as
disciplinas do jeito que querem. Nesse caso, a pessoa geralmente vai
fazer estudos bíblicos; às vezes ensinam só o cristianismo,
desrespeitando outras religiões", disse.
Pelo resultado colhido, ela disse notar a presença de "muito
proselitismo". "Há igrejas que tomam conta do ensino religioso e
defendem apenas uma religião e não o ensino da ciência da religião",
critica Lenir, que representou o Conselho Nacional de Secretários
Estaduais de Educação (Consed) na primeira reunião da comissão de ensino
religioso do Conselho Nacional de Educação (CNE), realizada em agosto
de 2011 no Ministério da Educação, quando foi incumbida de fazer um
levantamento em todos os estados sobre como funciona o ensino religioso
nas escolas públicas. O documento final será apresentado na próxima
reunião do CNE a ser realizada este ano, ainda sem data estabelecida.
Segundo Lenir, a discussão sobre o ensino religioso entrou em pauta
porque algumas instituições de ensino, que defendem o Estado laico, "são
radicalmente" contra a prática de ensino religioso; e porque outras
querem discutir uma proposta pedagógica para tal disciplina.
"Os interessados querem discutir uma proposta, aprimorar o conteúdo
sobre o ensino religioso, proporcionar cursos de capacitação sem
proselitismo e discutir as regras da LDB que a maioria das escolas não a
segue".
Lenir esclarece também que essa é a única disciplina que carrega a
palavra "ensino". Ou seja, no currículo escolar, por exemplo, a palavra
"ensino" não existe nas disciplinas de português e nem de matemática.
Dentre os estados pesquisados, a secretária de Educação de Roraima
afirmou que a exceção é do Paraná, onde há uma coordenação de ensino
religioso e uma legislação própria, a qual obedece os princípios da LDB e
da Constituição Federal e que poderia servir de exemplo para os demais
estados.
Modelo paranaense - Conforme a técnica pedagógica da
disciplina de ensino religioso da Secretaria de Educação do Estado do
Paraná, Carolina Nizer, tal disciplina é aplicada nas escolas estaduais
paranaenses como área do conhecimento. Ou seja, são estudadas todas as
religiões, se trabalha o "universo da diversidade religiosa", sem
nenhuma restrição.
Essa prática tem como base o decreto N.º 1226/2005, implementado pelo
Conselho de Educação do estado paranaense para atender tanto às
diretrizes da LDB quanto às da Constituição Federal. Uma das regras
propõe reconhecer "que o fenômeno religioso é um dado da cultura e da
identidade de um grupo social, cujo conhecimento deve promover o sentido
da tolerância e do convívio respeitoso com o diferente".
A disciplina é praticada nas séries 5ª e 6ª do primeiro grau. Como se
trata de uma disciplina facultativa, conforme o que estabelece a
Constituinte, no ato da matrícula o responsável pelo aluno é quem decide
se essa fará parte do currículo do estudante. Aos alunos que não
optarem pela participação às aulas de ensino religioso, o decreto, nesse
caso, estabelece que a instituição de ensino "deverá providenciar
atividades pedagógicas adequadas, sob a orientação de professores
habilitados".
Já para o exercício da docência no ensino religioso, a prioridade é
para professores formados em Pedagogia, em licenciatura na área das
Ciências Humanas, preferencialmente em Filosofia, História, Ciências
Sociais e Pedagogia, com especialização em Ensino Religioso.
(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)
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